sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

é verão no meu natal

a enchente levou o meu amor incondicional. o aquecimento global das minhas funções vitais trouxe o moribundo cheiro daquela que não se pronuncia o nome. perdi tudo. minhas posses foram carregadas pela água de bunda – a mágica união de dejetos, lixos e chuva ácida.

mamãe, aquela maldita, anda roubando fraldas geriátricas. meteu-se com um homem sem finura e pratica furtos de donativos. pobres velhinhos, mamãe só pensa em seu próprio orifício danificado pelos anos de mau uso em casas de massagens. mamãe é da labuta.

minha casa agora é flutuante; moro num pedaço de telhado que mana com as águas. apenas eu e minha vaca, eu e minha lactose. ainda bem que não faço uso de fraldas geriátricas, um problema a menos para considerar.

papai é desconhecido, sou filha de muitos e de ninguém; sou mesmo é filha do ofício. fui alfabetizada por uma dama da noite, uma cortesã luxuosa que trabalhava com aquela desgraçada. exímia libertina, me explicou tudo sobre biologia, português e elegância. uma fidalga que partira da fina flor da sociedade e fora viver na marginalidade.

hoje sou eu e minha bovina. nunca dei certo com os homens: os que não se deitaram com aquela encardida que me deu à luz fugiram com medo. as mulheres também não me servem com suas alterações cíclicas de humor e necessidade patológica de serem compreendidas.

amo mesmo é aquela vaca.

Nenhum comentário: