terça-feira, 3 de novembro de 2009

Os espirra-canivetes

Irto Brito veio à vida a passeio, trajes sumários, bolso furado, coração em frangalhos. No dia de seu nascimento, chorou amniótico pela primeira e última vez. Ali parido, jurou que mulher alguma o faria sofrer novamente. Apesar dos delírios vanguardistas, tinha os pés de Curupira e andava para trás quando queria ir para a frente. Vivia em algum lugar do passado se pensando um pra frentex.

Aos três anos quebrou a perna, mas prendeu as lágrimas e urinou de dor. Vertia fluidos corporais por todos os orifícios que não os do canal lacrimal, achava que a dignidade não era úmida. Suava a camisa, o coitado.

Mais tarde, em sua secura agreste, apaixonou-se por Chica Pó. Moça muda, órfã, chegada a um vestido de chita e viciada em rapé. Odiava espirros porque a lembravam de sua triste condição chincheira. Um dia, Irto teve um espasmo borrifado em sua presença. Estava um poço de melancolia desde que sua porca havia torcido o rabo no arame farpado, morrendo de infecção. Dessa catarse da mucosa nasal, iniciou-se um amor farelento. Nunca chovia neles, era um caso meio farofa, meio empada, do tipo que desce rasgando.

Até que num tropeço sensual, foram virados do avesso. O líquido seminal se espalhou pela terra poeirenta, lubrificando todas as reentrâncias murchas. Enfim, o sertão virara mar.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Adeus à Rua Faro

Fomos um só e você ao menos sabia o que era existir. Seus azulejos azuis pintados de branco, a pequena maçaneta do banheiro com o desenho de um casal se cheirando em valsa, a fiação de pano, as desproporções do seu corpo já desenganado. Você nasceu errado, mas nosso amor era um lance de pele.

Seguirei sem você, maquiando o vazio porque não quero ver o oco. Dessa simbiose parimos um ser uno, mas agora somos dois. Erro pelo caminho dos humanos e você persistirá sendo essas paredes uterinas mercenárias, acolhendo os que se habilitam a pagar o seu preço.

Ainda não sorrio, talvez quando sentir o seu faro.

domingo, 17 de maio de 2009

abiosorvência

sem maiores explicações o terceiro mamilo partiu para o interior; foi viver da terra. uma mulher velha e que não usava desodorante disse uma vez: "temos que amar a mãe natureza, que nos provê de tudo quanto é necessário. venha comer alimentos vivos, nada pode ser cozido". e ele foi.

em sua primeira menstruação na comunidade amorosa deram-lhe um abiosorvente, o absorvente daqueles que tem carinho pelo planeta azul. é feito de pano, para que a mocinha o lave a cada utilização e depois use a água de sangue morto como adubo para a terra. é notório que a teta excedente tem um fraco por doutrinas do 'faça amor, não faça a guerra'.

no entanto, retornou para seu lar quando uma rapariga livre e aidética lançou seu líquido da vida nas plantas e o pessoal se contaminou com as verduras soro positivas. a extra teta estava em greve de fome em prol de causas não passíveis de controle, tais como tormentas da natureza e doenças. inclusive, havia recentemente feito um buzinaço no hospital do câncer contra os tumores malignos que corrompem os bons costumes e a moral da sociedade.

a verdade é que o mamilinho notou que a felicidade não estava no exterior, mas em seu íntimo. agora abraça causas superficiais, lê revistas de fofoca e procura viver o mito do amor romântico com senhores e/ou senhoras da melhor idade que encontram-se viúvos ou apenas em busca de uma aventura.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

arrebatada por um comichão latino

Percal
Tango
1943
Música: Domingo Federico
Letra: Homero Expósito

Percal...
¿Te acuerdas del percal?

Tenias quince abriles,
anhelos de sufrir y amar,
de ir al centro, triunfar
y olvidar el percal.

Percal...
Camino del percal,
te fuiste de tu casa...
Tal vez nos enteramos mal.
Solo se que al final
te olvidaste el percal.

La juventud se fue...
Tu casa ya no está...
Y en el ayer tirados
se han quedado
acobardados
tu percal y mi pasado.

La juventud se fue...
Yo ya no espero más...
Mejor dejar perdidos
los anhelos que no han sido
y el vestido de percal.

Llorar...
¿Por qué vas a llorar?...
¿Acaso no has vivido,
acaso no aprendiste a amar,
a sufrir, a esperar,
y también a callar?

Percal...
Son cosas del percal...
Saber que estás sufriendo
saber que sufrirás aún más
y saber que al final
no olvidaste el percal.

Percal...
Tristezas del percal.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

ovos

"me dê dois ovos, um chiclete mastigado e poucos fios de cabelo, que lhe faço um explosivo." macgyver

*

poesia-homenagem realizada por alunos repetentes da turma de c.a. da vanguardista CEREJA, a saudosa cooperativa educacional da região de jacarepaguá. o ano era mil novecentos e noventa e quatro, as crianças semianalfabetas e revoltadas; uma única paixão as unia: os ovos.

"dos ovos faço pão, milanesa e massa
com açúcar, mil doces, enfeito até com uvapassa
ovos são parte do aparelho reprodutor masculino
em botequins são coloridos, do roxo ao citrino
nos aniversários, atiro naqueles que ganham idade
ovos, para galinhas, lembram os tempos da mocidade
ovo branco, vermelho e do tipo caipira
se apodrece num recinto, todo mundo se retira
os de codorna são pequeninos e degustáveis
os das galinhas d'angola, abandonados pelas mães irresponsáveis
alguns ovos chocam e outros são chocados
certos condôminos neuróticos os preferem arremessados
o ovo como gênese é símbolo comum a toda cultura
papai me cuspiu de seu ovo
e em seu ovo mamãe me moldou em escultura"

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

claudio eduardo e a sociopatia no humaitá

"Quero matar todas as pessoas de signos de água."

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

trimalchão, o polido anfitrião de petrônio, em satiricon:

"– Amigos, perdoai-me; há já vários dias que tenho o corpo desarranjado, e nem mesmo os médicos sabem o que seja. Contudo, fez-me bem uma infusão de casca de romã e de pinheiro no vinagre. Espero que o meu ventre tome juízo; e se assim não for, tereis que ouvir alguns rumores, semelhantes ao mujido de um touro. Aliás, se qualquer de vós tiver necessidade de fazer o mesmo, não deve de nenhum modo envergonhar-se. Somos todos de carne e osso, e creio que nada causa tanto sofrimento neste mundo como ter a gente de conter-se. Estarás rindo, Fortunata, tu que durante a noite me interrompes continuamente o sono!

Tenho o costume, aqui no triclínio, de deixar todos em completa liberdade: os próprios médicos dizem que faz mal a gente conter-se. E se sentirdes alguma necessidade mais imperiosa, lá fora está tudo pronto: a água, cadeiras furadas e tudo o mais. Acreditai em mim: quando os gases sobem ao cérebro difundem-se em seguida por todo o sangue. Ouvi dizer que muitas pessoas morreram assim, porque não tiveram a coragem de ser francas.”