sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

é verão no meu natal

a enchente levou o meu amor incondicional. o aquecimento global das minhas funções vitais trouxe o moribundo cheiro daquela que não se pronuncia o nome. perdi tudo. minhas posses foram carregadas pela água de bunda – a mágica união de dejetos, lixos e chuva ácida.

mamãe, aquela maldita, anda roubando fraldas geriátricas. meteu-se com um homem sem finura e pratica furtos de donativos. pobres velhinhos, mamãe só pensa em seu próprio orifício danificado pelos anos de mau uso em casas de massagens. mamãe é da labuta.

minha casa agora é flutuante; moro num pedaço de telhado que mana com as águas. apenas eu e minha vaca, eu e minha lactose. ainda bem que não faço uso de fraldas geriátricas, um problema a menos para considerar.

papai é desconhecido, sou filha de muitos e de ninguém; sou mesmo é filha do ofício. fui alfabetizada por uma dama da noite, uma cortesã luxuosa que trabalhava com aquela desgraçada. exímia libertina, me explicou tudo sobre biologia, português e elegância. uma fidalga que partira da fina flor da sociedade e fora viver na marginalidade.

hoje sou eu e minha bovina. nunca dei certo com os homens: os que não se deitaram com aquela encardida que me deu à luz fugiram com medo. as mulheres também não me servem com suas alterações cíclicas de humor e necessidade patológica de serem compreendidas.

amo mesmo é aquela vaca.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

pedalinhos, molotovs e três buchas impensantes

furiosa, a população civil do rio de janeiro uniu-se em prol do aniquilamento do gigante aparato natalino da lagoa, causador de tráfegos noturnos e esbanjador de eletricidade capaz de iluminar diversas vizinhanças relegadas à escuridão.

um grupo de adultos jovens, sem ficha criminal, ligou-se em plano sórdido para dar fim ao monumento pouco sofisticado que inseriu-se nas vidas ordinárias de cidadãos de bem. para realizar tal feito, produziram coquetéis molotovs caseiros, todos ornamentados com símbolos graciosos de natal e em seguida seqüestraram três pedalinhos de cisne, sendo um deles cor-de-rosa, para a mocinha que participava do ataque terrorista.

eram três militantes da elite carioca, daquele tipo que jamais sofreu influência de um governo ditador, mas que guardava uma nostalgia vulgar daquele período histórico e agia com revolta infundamentada, realizando mini-passeatas nas universidades em prol de um mundo melhor (utilizando-se da intolerância e fazendo do mundo um lugar pior).

e numa noite abafada de dezembro, a rapeize praticou o ato da destruição. lentamente – armados até os dentes e montados em seus inocentes e pueris cisnes pedaláveis – rumaram em direção ao emblema carioca do amor natalino. com catapultas fabricadas em suas coberturas de luxo, arremessaram as bombas, ora enfeitadas por um papai noel, ora por um singelo anjo ou ainda por renas do nariz vermelho. a árvore ficou em chamas; diversas explosões foram ouvidas pelas cercanias.

a polícia solidarizou-se com a ruína do baluarte da cultura cristã e rapidamente adentrou em pedalinhos estacionados, que dormiam na madrugada quente, esperando por um exaustivo dia de lazer. executaram uma perseguição implacável, porém morosa, dada a condição do meio de transporte escolhido por meliantes e patrulha.

a árvore era consumida pelo fogo, enquanto os pseudo-benfeitores direcionavam-se para a fuga. os defensores da ordem pública pedalavam e narravam em seu alto-falantes: "– parem os patos gigantes agora! considerem-se presos!". a escapatória ocorreria através do canal do jardim de alá, dirigindo-se para o oceano, a fim de descansar no arquipélago das cagarras, notório pela grande quantidade de excrementos das aves marinhas que habitam ou sobrevoam a localidade.

encalçaram vorazmente os robin hoods tupiniquins, porém a conclusão foi trágica: ao serem atacados por ratos, cobras e lagartos no desembarque, os pulhas melindrosos arremessaram-se ao mar em plena noite, já que seus veículos sem âncora haviam se perdido na imensidão azul-marinho. os dois rapazes e a jovem dama do cisne rosa faleceram antes do socorro da polícia, pois tomaram uma chicoteada do rabo de uma baleia transeunte, que nadava livremente pela região.