quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

o urro primal da mulher-maluca

num momento de intensa turbulência hormonal, a mocinha devorou três quindins, seis pacotes de doritos com gorgonzola, um aipo, meia jaca e uma dúzia de corações de galinha. em seguida, com o olhar insaciável de um animalzinho selvagem, ela atacou alguns transeuntes que tiveram a infelicidade de cruzar o seu caminho, despenteando-lhes os cabelos, quebrando e arremessando longe seus pertences e rasgando-lhes as vestimentas com os escassos dentes que restavam em sua gengiva semi-careca.

neste terrível estado de possessão, parou e lançou o olhar insano ao redor. com os cinco sentidos acentuados pela loucura, começou a captar moscas com palitos japoneses. a cada uma arrancava-lhe as asas e deixava-as andando como tolas dentro de um pequeno cercado que construíra com gravetos.

não tolerando mais a mesmice, dançou ao som de músicas tribais asiáticas pelo submundo, espumando como um cão raivoso, até que seu corpo fosse nocauteado pela exaustão suprema. não conseguia parar. mesmo caída ao relento, seus olhos reviravam e seus membros se debatiam em espasmos contra o solo.

finalmente foi capturada pela guarda florestal, sendo depositada numa jaula sob efeito de sedativos pesados, em companhia da capivara que costumava rondar as vizinhanças da lagoa rodrigo de freitas a procura de brigas, drogas e sexo ilegal e de uma lontra mau-caráter que praticava furtos de pequena monta em sinais de trânsito por bairros da zona oeste. e eis o fim da mulher-maluca.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

o homem que morava numa caixa de fósforos

estava palestrando para seres inanimados numa manhã chuvosa. era uma garotinha solitária. discorria sobre leguminosas e hortaliças em plena dispensa, onde mantimentos não-perecíveis encontravam-se organizadamente dispostos em prateleiras. durante todo seu discurso manteve os olhos fixados num casal de saleiros 'cisne', daqueles que têm dois tipos distintos, cada qual caracterizando um gênero. a fêmea havia perdido seu chapéu e parecia um ovo cozido de padaria com um galo na cabeça. ao lado estava 'gina', a assustadora e sorridente mulher dos palitos de dente.

ela havia se cansado dos humanos. pareciam não compreender suas palavras, que seguiam padrões de pensamento muito peculiares. passou a dialogar com o reino animal, vegetal e depois mineral, até chegar por fim aos seres de reinos não reconhecidos pela ciência.

eis que, então, a jovem moçoila conheceu nildo, um diminuto homem que morava numa caixa de fósforos. tinha trinta e cinco anos e havia encolhido devido a uma doença degenerativa rara, que começara a se manifestar por volta de seus treze anos. de um metro e sessenta e três, atingira a incrível marca de dois centímetros. seu destino estava quase traçado: morreria de pequeneza, caso não fosse acidentalmente esmagado mundo afora.

se afeiçoaram um pelo outro imediatamente. a solidão de um sussurrara à solidão do outro. o primeiro encontro ocorrera nesta mesma dispensa, pois que a diminuta moradia de nildo localizava-se próxima aos saleiros e a garotinha o avistou enquanto proferia algumas de suas idéias sobre tubérculos. nildo se escondera, temendo ter sua existência findada pela gigantesca criança.

ela garantiu que estava em missão de paz e pediu para que o pequenino se mostrasse em todo seu esplendor. um tanto acanhado, o minúsculo homem deu as caras e logo iniciaram uma conversação que durou cerca de seis horas ininterruptas, onde descobriram que, a despeito da diferença de estatura e idade, compartilhavam de inúmeros interesses. ela achou deveras satisfatório saber que outra pessoa também discordava veementemente da arbitrariedade das linhas imaginárias no atlas e juntos pensaram em criar um novo mapa-mundi, sob a ditadura de suas próprias vontades.

nildo contou sobre sua condição e a menina sentiu um embrulho nas vísceras, percebendo que o tempo de vida do amigo seria tão breve quanto sua ínfima estatura. seu coraçãozinho enchera-se de tristeza, imaginando que teriam pouco mais que dois anos para cultivar a amizade, até que o corpo de nildo desaparecesse.

a habitação do pequeno foi logo transferida para o quarto da garotinha, situando-se no criado-mudo, nas vizinhanças de um rádio-relógio em forma de hambúrguer e de um abajur furta-cor.

a amizade entre eles se consolidava dia após dia e todos a julgavam insana, inclusive seus pais, por parecer desenvolver conversas consigo mesma por horas a fio.

alguns meses depois, nildo foi se tornando tão pequenino e a distância entre eles foi crescendo tanto, que a jovem o convidou para residir em seu umbigo. pensou que esta cavidade corpórea poderia oferecer todo o aconchego e calor humano de que necessitava, já que se tornava cada dia mais frágil.

todas as manhãs ela o chamava e ele, em seu reduzido pijama, se apresentava todo garboso para o café da manhã. de fato nildo era um sujeito elegante, não importava a ocasião. ele se sentava nas redondezas dos pratos e talheres de enormes proporções e se alimentava das migalhas sumárias que ela cuidadosamente preparava, enquanto desenrolavam sobre algum assunto trivial, certamente considerado enfadonho pela maioria dos seres que respiram, mas tido como o elixir da vida por ambos.

até que numa manhã qualquer ela o chamou, mas nildo não veio. repetidas vezes pronunciou seu nome sem nenhum retorno. sabia o significado do silêncio. seu coração gelou. com afinco e melancolia olhou para dentro de seu próprio umbigo. o corpo de seu companheiro dissipara-se para todo o sempre, restando apenas o menor pijama da história da humanidade. e nildo, pequeno em tamanho, porém grande em caráter, tornara-se para a garota aquilo que ela cultivaria até o fim de sua vida como o seu bem mais precioso: a flunfa mais frondosa de que já se teve registro.


sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

divagações sobre a dignidade (3)

agora, com a já prevista morte de seu alter ego sem honra, juliana gontijo volta à normalidade. costumava pensar que não havia nada mais simplório que a normalidade, mas o fato é que épocas excepcionais devem ter fim. não há corpo que tolere a insanidade por muito tempo e não há sistema nervoso que sustente um número de sinapses muito ínfimo ou muito intenso por tempo prolongado.

pensar que não possuía dignidade a fez parecer uma moça menos singela e tola, mas cansou-se de negar sua tolice intrínseca. juliana é verdadeiramente uma tola de deus. às vezes tem apreço por visitar as trevas pelo prazer ingênuo da caminhada aleatória e por precisar aprender que a vida sem limites em algum momento se torna cruel e cínica.

e pelas estradas tortuosas da perdição, juliana encontrou o caminho de luz. um raio de sol penetrou-lhe a branca camada dérmica e fez-se a paz. os tolos hão de ser recompensados por sua ignorância e ela era tola como todos aqueles à sua volta. todos filhos de deus, todos buscando um minuto de sabedoria, todos lutando contra o poder do anel do mal.

agora juliana vaga pelas montanhas, respirando o ar salubre e imaculado dos paradisíacos recônditos do planeta terra. e com seus sapatinhos vermelho-cintilantes e sua varinha de condão, suspira com a voz aliviada: "there is no place like home".


divagações sobre a dignidade (2)

a morte do meu alter ego sem honra:

"aqui jaz juliana gontijo, uma mulher tola como poucas."

não tardaria para que o silêncio eterno a convocasse para seus domínios. veio a óbito numa ensolarada tarde de domingo após praguejar estranhas maldições contra peixes moribundos à beira da baía de guanabara.

josué, seu cão e único objeto de afeto, contemplou-a com seu olho sadio nesse momento de ruína moral e com desdém caminhou tropegamente com suas três pernas na direção de um indigente grosseiro, que não continha um único dente na boca murcha e padecia de elefantíase e tuberculose.

ao perceber que havia sido abandonada pelo único que tolerava seus ininterruptos atos ignominiosos, seu frágil corpo começou a apresentar sinais de adoecimento. assim, às margens de águas putrefatas e sem nenhum amor, juliana foi dessa para uma melhor com quadro de falência múltipla dos órgãos e muita mágoa.

em seus bolsos foram encontrados um pequeno kit de costura para principiantes, uma pulseira do senhor do bonfim e um osso de procedência desconhecida. e como tudo na vida tem limites, ela se despede no anonimato, com um amargo fim para sua existência sem dignidade.


divagações sobre a dignidade (1)

juliana gontijo foi banida do convívio social após a prática contínua de atos tolos e impensados. agora, tal qual plutão foi rebaixado a planeta-nanico, encontra-se em estado deplorável de decadência e humilhação.

a dignidade a abandonou há muito, mas ao menos conserva intactos todos os seus dentes. menos os sisos, que foram devidamente extraídos em uma sanguinária e excruciante cirurgia em outubro de 1999.

nenhum membro da família mantém contato, fora o tio manco e enjeitado que tem sido evitado desde que perdeu o campeonato estadual de cuspe à distância.

sua carreira de cabeleireira está arruinada e todos os famosos que freqüentavam seu salão a trocaram por uma biba menos talentosa, transformando o horário nobre da globo num festival de mullets e permanentes.

juliana procura sem sorte a salvação para sua alma desamparada, já que os amigos lhe fecharam as portas. a sarjeta tem sido sua única companheira. a sarjeta e também rafael, o ex-polegar viciado em drogas. juntos freqüentam o programa do gugu e vagam pelo submundo se alimentando de pentes, pilhas e outros objetos que encontram ao acaso.

freqüentou a igreja evangélica, mas foi expulsa depois de ter sido vista roubando dinheiro do bispo para comprar roupas de grife e tentar penetrar numa festa em são conrado onde faria a única refeição do dia, beberia até se aproximar do coma e perderia a compostura mais uma vez.

espero que juliana possa encontrar honradez novamente, porém, em sua vida nas ruas, ela apenas deseja que seus rins não sejam roubados pela kombi dos órgãos enquanto dorme ao lado de josué, o cachorro perneta e parcialmente cego com quem divide um colchão debaixo de um viaduto em madureira.


sobre meus medinns

sou uma criatura possuída por fobias um tanto inusitadas. desde que era uma diminuta versão de mim mesma, temia as partes mais escuras do oceano no atlas. sentia calafrios ao imaginar os seres abissais que habitavam aquelas águas escuras e profundas. todos descomunais, no melhor estilo pré-histórico, com muitos olhos e dentes pontiagudos e grotescos.

o medo de altura já me acompanhava antes mesmo que pudesse compreender o mapa-múndi. bastava uma brincadeira fanfarronesca de me jogar para o alto para que meus olhos tomassem proporções de melancias.

também tinha medo da raia da piscina, imaginando que aquela listra escura se transformaria num terrível monstro que me destruiria em poucos segundos. digamos que minhas aulas de natação eram um pouco tensas...

tubarão então nem se fala. Até hoje tenho pânico. pânico. o filme do spielberg conseguiu traumatizar para todo o sempre esta pessoa que vos fala. não consigo nem ao menos encarar imagens do tal peixe feroz. por esta razão não pratico viagens ao recife e nas minhas raras idas à praia permaneço na beirada do mar, na companhia de crianças e idosos.

tenho vertigem do google earth. quanto mais distante fica a imagem, mais eu tendo ao desfalecimento. não sei explicar. minha boca resseca, sinto um arrepio nos órgãos vitais que irradia até o couro cabeludo, minhas pernas perdem a força, meus olhos reviram e começo a me sentir uma mísera poeira cósmica vagando na imensidão.

recentemente passei a desenvolver uma fantasia que ainda não se concretizou num medo real. agora que o calor começou a me atormentar, penso que o ventilador de teto vai cair em mim durante a noite. já ponderei sobre empurrar a cama de forma a não ficar na mira do objeto assassino, mas minha parcela sã não me permite tomar uma atitude de princípios tão infundamentados.

acho digno me apresentar às avessas. acho mesmo. quem sobrevive às trevas alheias terá motivos para alegrias depois. após a tempestade, a bonança. após as fobias, a graciosidade. é o que penso. mas sou uma verdadeira tola e possuo todas as fobias supracitadas...


quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

o ínicio do fim

uma moça semi-ruiva e persistente me incentivou e cá estou eu, expondo meu terceiro mamilo ao deus dará. a culpa é sua, chama flamejante da demência. a culpa é toda sua. gosto da idéia de iniciar um blog responsabilizando outrem por não ter coragem de admitir que há tempos desejo ser proprietária de uma pocilga virtual dessas.

e já que estou aqui, começo cagando regras: tenho preferência por letras minúsculas. esse é um ponto importante para mim. não sei bem o porquê, mas é assim que acontece. todo mundo tem suas manias e eu poderia estar roubando, poderia estar matando ou ainda praticando pequenos delitos, mas só o que faço é abolir as letras maiúsculas de minha rotina. isso e também atentar contra a língua portuguesa eventualmente. não sou boa com as regras gramaticais, desta forma, sigo escrevendo na língua do terceiro mamilo, que segue normas bastante particulares.

então é isso. o flanco esquerdo do meu terceiro mamilo começa a coçar, indicando que teremos chuva de granizo na madrugada. até.